Entrevista com José de Matos Secretário-Geral da APCMC Associação Portuguesa de Comerciantes de Materiais de Construção
Numa edição dedicada ao setor da Construção, José de Matos , secretário-geral da Associação dos Materiais de Construção, aponta as necessidades de inovação no setor, analisa os desafios que as empresas enfrentam e as previsões de crescimento do setor
SOBRE…
> José de Matos, Economista, com duas pós-graduações nas áreas da gestão e recuperação de empresas e da gestão de organizações da economia social
> Com uma longa carreira profissional sempre no associativismo empresarial, é desde 1985 Secretário-Geral da APCMC
> Tem desempenhado vários cargos de representação. Atualmente é membro da Direção da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, membro da Direção da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, membro da Direção do Instituto da Construção, Vice-Presidente da Associação Plataforma para a Construção Sustentável (CentroHabitat), Presidente da Mesa da Assembleia-geral da CERTIF, membro do CNADS (Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e membro do Conselho Nacional Florestal, entre outros
As Construtechs | Desafios que o setor enfrenta | A Construção Civil hoje | Visão de Futuro
AS CONSTRUTECHS
As construtechs estão a revolucionar o sector da construção civil, facilitando as rotinas dos empresários da área. Na sua opinião, em que medida a transformação digital está a mudar o setor? Temos que reconhecer que as chamadas construtechs estão a desempenhar um papel importante na modernização das empresas da fileira da construção, com um campo de intervenção que vai bem mais longe que a área da digitalização propriamente dita. Este sector é tradicionalmente “lento” na incorporação das novas tecnologias e o papel das empresas de serviços tecnológicos dirigidos ao sector, intervindo de fora para dentro, é decisivo para colmatar as debilidades que neste campo se fazem sentir.
Como referi, os desafios não se circunscrevem à digitalização de processos, em cujo âmbito pontua o BIM (Building Information Modeling), mas também ao nível dos sistemas construtivos e dos novos materiais.
Em Portugal ainda estamos no princípio e é óbvio que falta uma visão integrada da fileira, mas é preciso avançar depressa para enfrentar os problemas que advêm da falta de recursos humanos qualificados, dos custos elevados da construção e da necessidade de atingir rapidamente padrões elevados de eficiência energética e de evoluir para uma economia circular. topo
DESAFIOS QUE O SETOR ENFRENTA
Como podem os empresários mais tradicionais prepararem-se para este desafio? A transição é sempre o maior problema e, como referi antes, para além relativo atraso neste domínio em Portugal, temos um problema de integração. Isto é, pensando em termos de fileira, precisamos que existam pelo menos algumas empresas ao longo de todos os diversos subsetores que tenham atingido um grau mínimo de digitalização, para que os processos fundamentais da construção se possam desenrolar com recurso às ferramentas digitais. Se em algum ponto não existirem essas ferramentas, ou não falarem a mesma linguagem, o processo será interrompido.
Assim, se os projetistas usarem o BIM, mas os fornecedores de materiais não fornecerem os dados necessários e num suporte standard, que para além dos objetos BIM para o desenho, incluem todos os outros dados relevantes sobre características técnicas, durabilidade, preço, eficiência, logística, etc., ficaremos reduzidos a pouco mais que ferramentas de desenho. E de que servirá um projeto em BIM se a empresa que executa a obra e ou o respetivo dono de obra não tiverem a capacidade para trabalhar com essas ferramentas?
O nosso entendimento é que temos que começar pelo princípio, a montante, para que os restantes intervenientes possam tirar o devido proveito dos investimentos na área digital. topo
A CONSTRUÇÃO CIVIL HOJE
O setor da Construção Civil passou por momentos muito difíceis durante o período de recessão e foi muito penalizado. Qual é a sua avaliação geral sobre o estado atual do sector em Portugal? Que iniciativas legislativas poderão ser tomadas para melhorar? O sector ficou gravemente debilitado, quer em termos de capitais, quer em termos de equipamentos, mas o que torna as coisas atualmente mais difíceis foi a fuga de recursos humanos qualificados, sobretudo ao nível dos encarregados e de algumas especialidades. Entretanto, o sector perdeu atratividade e os jovens não encaram positivamente a ideia de trabalhar na construção. Vai ser preciso fazer um upgrade das profissões no sector e alterar processos e condições de trabalho para atrair trabalhadores qualificados.
O problema é ainda mais grave no sector da engenharia civil, onde o investimento público caiu drasticamente e as grandes obras de vias, pontes e portos desapareceram. Aqui, de forma dramática, a capacidade instalada encontra-se de tal forma reduzida que muitas empresas desapareceram e as que ficaram dificilmente conseguirão ter condições para executar obras de alguma dimensão.
Não há leis que resolvam o problema que a má gestão política e financeira do país criou. Diria mesmo que o melhor será parar de fazer leis! O país precisa de estabilidade e de rumo. Não é possível sustentar as empresas num regime de pára e arranca. Ajudava alguma coisa se as obras de maior dimensão fossem lançadas em tranches de dimensão adequada à capacidade financeira das empresas portuguesas. topo
VISÃO DE FUTURO
Quais as perspetivas de crescimento do setor para os próximos dois anos? Nós desenvolvemos recentemente, com o apoio da universidade, um modelo econométrico de previsão para o sector, que nos permite estimar com rigor científico as taxas de variação do volume de negócios e trabalho do sector nestes prazos curtos de 1 a 3 anos. É claro que, como tudo, para que as previsões se possam vir a confirmar é necessário que as condições atuais se mantenham. Uma crise internacional ou novas medidas de política podem alterar completamente os cenários.
Assim, assumindo que não haverá alterações significativas, esperamos que o sector da construção continue a crescer em 2019, 2020 e 2021, a taxas anuais de 6,5%, 5,9% e 5,2%, respetivamente.
Este crescimento será sobretudo impulsionado pela reabilitação habitacional e pela construção nova, que deverão crescer a taxas superiores a 9% e 8%, respetivamente em 2019. Nos anos seguintes deveremos assistir a uma natural redução da intensidade do crescimento da reabilitação e a um aumento da construção nova de habitação, cujo licenciamento não pára de aumentar no sentido de dar resposta a uma óbvia carência de oferta, causada por vários anos de quase paralisia do sector. topo
Setembro 2019